norberto lobo | 17 abril | SHE




"Norberto Lobo é um músico lisboeta e "Mudar de Bina" o seu primeiro álbum em nome próprio. Um disco quase absolutamente centrado na sonoridade da guitarra acústica e, por essa via, na capacidade expressiva e interpretativa de Norberto Lobo como guitarrista.
Nestes dias de produção musical “cuidada” é fácil esquecermo-nos do carácter eminentemente físico de alguma criação musical. Discos como "Mudar de Bina" contribuem de alguma forma para a reversão desta tendência. Os truques de produção são mínimos e apenas direccionados a ajustar esta música ao seu ambiente natural: precisamente o seu carácter físico, humano, popular. O álbum foi gravado literalmente entre casa e a rua, e a sua audição revela de forma quase auto-evidente o quanto há de ajustado nesta circunstância. As melodias evocadas, as harmonizações relativamente complexas (em boa parte próprias das características do instrumento) e a abordagem simples e directa da interpretação criam um ambiente de intimidade e de uma certa melancolia que se poderiam dizer “caseiros”; e no entanto há uma força vital, um vigor no ataque e um muito saudável afastamento de toadas sentimentalistas que aproximam claramente este disco da “rua”.

Da música propriamente dita pode dizer-se que se baseia numa apropriação moderna de vários elementos de tradição sólida e multicultural. Na revisão desassombrada do que lhe é passado (chamar-se o disco "Mudar de Bina" é já um sinal dessa bem disposta intrepidez) reside o maior respeito que Norberto Lobo poderia votar a essa mesma tradição que “desvirtua” – seja ela a da nossa música popular, seja a do legado de John Fahey e da “escola” associada à Takoma Records. Por outro lado, a assunção elementar do instrumento, com as suas potencialidades e limitações, e a alegria primeira de produzir som e de o sentir no corpo como vibração física parecem transmitir-se ao ouvinte e comunicar com ele a esse nível de fruição que diríamos haver-se perdido, ou pelo menos adormecido, pela forma como nos habituámos a ouvir música: consumindo-a, mais do que a apreciando. Não que esta música seja “difícil”; pelo contrário, a forma como é trabalhada – os baixos alternados, o vigor das harmonizações, a densidade dos arpejos, o brilho das linhas melódicas – põe a sua apreciação num patamar anterior ao da avaliação intelectual pura, no que uma vez mais se aproxima da música de carácter popular (dois dos temas são aliás variações sobre melodias populares). Nela indistintamente convivem elementos de pendor mais contemplativo com outros reveladores de uma alegria e humor vitais (não se tratará por certo de um acaso o facto de Norberto Lobo ter já antes colaborado com esses outros alegres exploradores de sonoridades, os München), assim como elementos de tradição com outros de inevitável - e desejável - modernidade. Mas nunca – e nisso se revela alguma da sensatez musical de Norberto Lobo – o tom geral deste conjunto de gravações resvala para uma apropriação “pós-moderna” dos elementos da tradição ou para um encobrimento bacoco da dívida que para com ela existe. Pelo contrário, a assunção dessas sonoridades que de alguma forma se tornaram de todos é cândida, descomplexada e fundamentalmente alegre, mesmo no seu registo intimista; e assim acaba por soar-nos também este disco."


Texto - Francisco Silva | Fotografia - Nuno Mendes